domingo, 15 de julho de 2018

PAÍS DE POETAS, MAS TAMBÉM DE ALDRABÕES...

Somos um país de poetas
De fadistas e marinheiros
Bancadas cheias de patetas
De corruptos e tantos carneiros

Digo o que tenho para dizer
Sem ninguém me fazer calar
Doa a quem tiver que doer
Seja aqui ou além-mar

Meus queridos amigos
E filhos desta pequena nação
Só olham prós seus umbigos
Nunca vi tanto aldrabão

As armas por aí perdidas
Eles tentaram esconder
Só espero que sejam servidas
Nos pratos deles ao amanhecer.
 ( António Querido)

X
FADO DA CENSURA

Neste campo da Política
Onde a Guarda nos mantém,
Falo, responde a Censura;
Olho, mas não vejo bem.
Há um campo lamacento
Onde se dá bem o gado;
Mas, no ar mais elevado,
Na altura do pensamento,
Paira um certo pó cinzento,
Um pó que se chama Crítica.
A Ideia fica raquítica
Só de sempre o respirar.
Por isso é tão mau o ar
Neste campo da Política.
Às vezes nesta planura,
Se o vento sopra do Norte,
O pó torna-se mais forte,
E chama-se então Censura.
É um pó de mais grossura,
Sente-se já muito bem,
E a Ideia, batida, tem
Uma impressão de pancada,
Como a que dão numa esquadra
Onde a Guarda nos mantém.
O pó parece que chove,
Paira em todos os sentidos,
Enche bocas e ouvidos,
Já ninguém fala nem ouve.
Se a minha boca se move,
Logo à primeira abertura
A enche esta areia escura.
Só trago e me oiço tragar.
É uma conversa a calar.
Falo, responde a Censura.
Vem então qualquer vizinho,
Dos que podem abrir boca;
No braço, irado, me toca,
E diz, «Não vê o caminho?
O seu dever comezinho
De patriota aí tem.
Vê o caminho e não vem?!»
Para isso, bolas aos molhos!
Se este pó me entrou prós olhos,
Olho, mas não vejo bem.
1935
 (Fernando Pessoa)

5 comentários:

  1. Desse mal não te deves queixar,
    porque, as tens lá na tua quinta
    não sei quantas avelhas a pastar
    só duas são menos do que trinta!

    Só de poetas e, muitos, loucos
    este pais tem incalculável fortuna
    muitos são mais do que poucos
    fora os sem verganha nenhuma.

    Para mais darem aos ricos,
    não é na candonga do Japão,
    mas, são aqueles políticos
    que aos pobres roubam o pão!

    Pois, eu não me enganei,
    de que és poeta afamado
    desse teu poema gostei,
    bem mereces ser louvado!

    Quanto ao fado da censura,
    ele cresceu de pepequino
    além fronteiras sem destino
    viajou no tempo da ditadura!

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  2. Havia alguém que dizia que somos um país onde se escreve muita poesia mas de poucos poetas.
    Não conhecia o fado do Fernando Pessoa.
    Um abraço e bom Domingo.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  3. Não te sabia tão poeta! Mas acertaste em cheio na mouche, não faltam pr'aí aldrabões ao virar da esquina.

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  4. Um grito de revolta que gostei de ler, amigo.
    Abraço e uma boa semana

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