CARTA DE BRUXELAS
Escrevo de Bruxelas, onde hoje ocorreram atentados terroristas hediondos. Perdoem-me a crueza das palavras, mas escrevo de Bruxelas como tenho escrito de tantos lugares onde todos os dias morrem pessoas vítimas do terrorismo. Sim, todos os dias morrem pessoas vítimas de terrorismo. E, sim, tenho estado e tenho escrito de muitos desses sítios.
Ainda no Domingo estava em Piréus, na Grécia, onde continuavam a chegar refugiados que fugiam do terrorismo e da guerra. Nesse Domingo morreram quatro crianças. Ainda há duas semanas outro destes hediondos atentados aconteceu em Bagdad, ninguém deu por isso.
Hoje foi diferente? Foi. Não o nego. Como foi diferente Paris. Mas a única diferença é ter sido em lugares onde estão pessoas que amo. Precisamos desesperadamente que elas nos digam que estão bem para aliviar o coração. Estava a sair de casa para uma reunião e precisei de saber com urgência se “os meus” estavam bem. Se a E. ainda estava em casa ou já estava no aeroporto com os miúdos, se as restantes estavam bem, se os meus amigos estavam bem. O M. usou um grupo privado do facebook para comunicarmos e assim fomos fazendo ao longo do dia. Foi também diferente porque recebi mensagens dos que amo e que estão em casa, esse imenso e enorme conforto que é sabermos que gostam de nós.
Mas não quero ser hipócrita, de cada vez que estou num lugar onde vejo morrer ou ouço falar de mortes de quem tudo perdeu, incluindo os seus, penso que também têm pessoas a quem fazem falta, também têm vida, também estavam a tentar fazer a sua vida normal até ser completamente destruída.
Estou cansada do tratamento desigual. Estou farta de sermos mais importantes do que os outros. Estes atentados não estão a acontecer só em cidades europeias. Há um mundo inteiro que está a ser apagado da fotografia e nós não podemos deixar que isso aconteça. De cada vez que deixamos vai-se um bocadinho mais da nossa humanidade.
A meio da manhã saí para ir comprar comida para podermos juntar-nos todos em casa. À tarde voltei ao Parlamento. A cidade quase deserta, as poucas pessoas cabisbaixas e um arsenal de segurança e armamento a toda a volta.
Ouvir os líderes europeus é já quase um acto de desespero. É feio usar a morte aleatória e insuportável de pessoas como nós – sejam de Bruxelas, de Bagdad ou de Beirute – para acicatar o medo, para alimentar a xenofobia, para defender uma suposta superioridade. Mistura-se terrorismo com imigração e com refugiados. Fazem de nós parvos, dizem que a resposta está numa sociedade ainda mais vigiada e ainda mais securitária. Foi isso que fizeram nos últimos anos e não evitaram um único atentado. Estou farta de que finjam que não percebem o monstro que estão a alimentar.
O comportamento recente das grandes potências mundiais face ao terrorismo é de uma dualidade atroz. Quando acontece uma tragédia como estas dizem sempre que vamos estar todos unidos no combate. Mentira, continuaremos separados. Continuaremos de olhos fechados aos milhões que alguns países lucram com o armamento, às medalhas de honra e outros prémios a príncipes sauditas, a acordos vergonhosos com líderes que continuam a fazer jogo duplo e a alimentar o terrorismo, à compra de crude extraído nos poços ocupados pelos terroristas porque o negócio vale a pena. O terrorismo não tem fronteiras, mas só existe e se expande porque está bem de saúde em termos financeiros.
Hoje em Bruxelas a solidariedade que os líderes europeus teimam em liquidar fez-se sentir nas pessoas, nos taxistas que disponibilizaram gratuitamente os táxis para quem precisou, nas mensagens, nas pessoas que correram para acudir aos feridos, nas pessoas que começaram a encher o chão de mensagens escritas a giz.
Continuar a jogar o jogo do medo nada fará para terminar com o terrorismo. É do medo que ele se alimenta. Não é de uma guerra de civilizações que estamos a falar. E, sim, repudio este ataque em Bruxelas e dói-me cada uma das mortes.
Uma carta com a qual estou absolutamente de acordo. Existe uma dor imensa, mas os "nossos" mortos, os mortos de Paris ou Bruxelas têm o mesmo valor que os "outros" mortos; os de Beirute, os de Bagdad, os da Turquia, os da Palestina... E o Daesh só existe por ter meios de financiamento, e a ninguém convém ir à verdadeira raiz das questões.
ResponderEliminarBoa Páscoa para si, António, e para toda a família.
xx
António passei especialmente para lhe desejar uma Páscoa Feliz
ResponderEliminarUm abraço
Maria
Uma carta escrita com todos os pontos bem colocados nos is! Jamais haveriam atentados à bomba, em Nova Iorque, em Paris ou em Bruxelas. Se a guerra não fosse um negócio lucrativo, para os senhores que não sendo donos do mundo, exercem um poder absoluto sobre qual deverá ser o seu rumo!
ResponderEliminarTenhas uma boa noite sem sobressaltos!
E que posso eu acrescentar?
ResponderEliminarQue estou de acordo convosco e com a Marisa, claro. Querem saber quem são os culpados? Procurem quem lucra com a venda de armas a quem se mantém em guerra. Não é difícil de descobrir.